A paternidade é uma experiência transformadora, cheia de desafios e momentos inesquecíveis. Para um jogador profissional de poker, que precisa de dedicação, foco e gestão eficiente do tempo, equilibrar a vida familiar com a carreira pode parecer uma tarefa complicada. Nesta entrevista, o Nélio Relva partilha o seu percurso como pai, os desafios de conciliar o poker com a nova realidade e como a experiência tem moldado a sua visão.
Como têm sido os primeiros tempos como pai?
O Tomás tem agora 16 meses, 1 ano e 4 meses. E, apesar de no papel parecer pouco tempo, numa vida de uma criança já acontece mesmo muita coisa. Às vezes, eu vejo momentos gravados de quando ele tinha um mês, dois, três, quatro… e parece que já tinha uma vida inteira atrás.
A rotina com uma criança é muito intensa e altamente transformadora. Acontece tanta coisa num curto espaço de tempo que já parece que o conheço há uma vida inteira. É incrível testemunhar o desenvolvimento dele e perceber o quanto cresceu em tão pouco tempo.
Antes do nascimento do bebé, tinhas algum receio sobre como equilibrar a carreira com a vida familiar? Como está a ser na prática?
Sim, tinha bastante receio, pois não conhecia muitos exemplos de jogadores de poker online que fossem pais. Além disso, há a ideia de que o poker, sendo um desporto de competição, exige dedicação total, o que poderia dificultar a conciliação com a família.
No entanto, mantive-me otimista e fui ajustando a rotina à nova realidade. Tive de abrir mão de algumas coisas, otimizar tempo e ser flexível, sempre priorizando a família. Foi um processo de tentativa e erro, mas percebi que, com organização e adaptação, é possível equilibrar ambos.
Nélio, como tem sido encaixar a paternidade na rotina de jogador de poker?
Tem sido um desafio diário, mas também uma aprendizagem constante. No início, conseguia estudar enquanto o Tomás dormia no meu colo, mas com o tempo percebi que as rotinas fixas deixaram de ser uma opção.
Agora, encaixo as minhas atividades conforme o dia permite, sem horários rígidos. A paternidade exige essa flexibilidade e ensinou-me a otimizar ao máximo o meu tempo, eliminando tudo o que não é essencial.
Como jogador profissional, a gestão do tempo é essencial. Tiveste de ajustar a tua carga de jogo ou hábitos de estudo?
Sim, sem dúvida. Antes já não era alguém que perdesse muito tempo com jogos ou redes sociais, mas quando fui pai, senti que isso se tornou ainda mais evidente. Tudo o que não era essencial desapareceu da minha vida.
Coisas que antes eram inofensivas, agora simplesmente não há espaço para elas. A minha rotina é exigente desde que acordo até que me deito, mas é muito gratificante. Tudo no meu dia tem um propósito claro.
E apesar disto parecer rígido ou até duro, para mim não é. Às vezes uso a palavra “sacrifício”, mas não sinto que seja algo doloroso. É algo natural, porque as prioridades mudam.
Sentiste que a paternidade trouxe uma nova motivação para a tua carreira no poker?
Sem dúvida. Tudo o que faço no meu dia-a-dia agora tem um propósito maior. Mesmo em coisas pequenas, como um treino, penso “não posso desistir, porque tenho um exemplo para dar”.
Quero que o meu filho olhe para mim e veja que faço tudo com dedicação. Que nunca desisto, que me esforço. Quero que ele cresça com esse exemplo.
O poker ensina muito sobre paciência e resiliência. Achas que essas skills te ajudam a lidar melhor com as exigências de ser pai?
Sem dúvida. O trabalho de gestão emocional que desenvolvi ao longo da minha carreira no poker tem sido uma grande vantagem. Quando tens uma criança, há sempre momentos difíceis. Mesmo sabendo que ele é pequeno e não sabe comunicar bem, há momentos em que ficas frustrado ou cansado.
A gestão emocional que aprendi no poker ajuda-me muito nessas situações. A manter a calma, a ser paciente. E acho que isso faz toda a diferença.
Nélio, qual foi o maior desafio emocional que enfrentaste desde que te tornaste pai, tanto no poker como fora dele?
Uma coisa que percebi logo é que tudo o que não está relacionado com a minha família perdeu muito valor. Por exemplo, uma sessão de poker pode correr mal, mas quando olho para o meu filho, percebo que, no grande esquema da vida, uma sessão é insignificante.
Isso ajuda-me a relativizar muita coisa e a focar-me no que realmente importa.
Como imaginas o teu futuro profissional agora que és pai?
No curto e médio prazo, vejo-me a continuar no poker online. Gostava de jogar mais ao vivo, mas com filhos pequenos isso é complicado.
Por isso, o plano é continuar a jogar online, a dar aulas e a lutar para subir até aos high stakes.
Se o teu filho um dia te dissesse que queria seguir uma carreira no poker, o que lhe dirias?
O poker é uma carreira muito solitária. Se ele me dissesse que queria jogar, eu ia ajudá-lo em tudo, mas não seria algo que incentivaria. Gostava que ele seguisse algo que envolvesse mais comunidade e que trouxesse valor a mais pessoas. Mas nunca lhe ia dizer para não fazer. Ia tentar guiá-lo da melhor forma, mas apoiá-lo sempre.
Que valores do poker gostarias de transmitir ao teu filho?
Para mim, o poker é uma ferramenta incrível para alguém realizar o seu potencial. É um jogo onde tu és o principal responsável pelos teus resultados. Se trabalhares e melhorares em todos os aspetos, vais ter mais sucesso.
Gostava de lhe transmitir essa mentalidade: encarar qualquer desafio como uma oportunidade de crescimento e evolução.
Se tivesses de dar um conselho a outros jogadores de poker que estão prestes a ou querem ser pais, qual seria?
Pensem muito bem nas razões pelas quais querem ser pais. Ser pai é uma decisão gigante, e o poker é só uma profissão. Se precisarem de sacrificar algo para serem pais, façam-no sem hesitar. Não há profissão que se compare a ter um filho.
Qual foi o momento mais marcante para ti até agora como pai?
É difícil dizer, porque há muitos momentos especiais.
Os primeiros dias são únicos, é uma bolha de emoções. Mas, para mim, o mais incrível são os pequenos momentos do dia-a-dia. Acordar com ele, vê-lo dormir, sentir o cheiro dele… São essas coisas que tornam tudo tão especial.
Se tivesses de definir a paternidade numa palavra, qual seria?
Devoção. Porque é isso que sinto. Dedico tudo aos meus filhos, e não escolheria fazer de outra forma.
Parabéns, Nélio! E um feliz Dia do Pai!
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